No momento, você está visualizando Mulheres que correm com os lobos: Capítulo 1 (A desconexão da própria alma)

Mulheres que correm com os lobos: Capítulo 1 (A desconexão da própria alma)

La Loba

Logo nas primeiras páginas de Mulheres que Correm com os Lobos, somos conduzidas ao deserto, onde vive uma mulher velha, mítica, selvagem — La Loba, a guardiã dos ossos. Ela vasculha as montanhas, recolhe pedaços do que foi esquecido, escondido ou morto, e canta sobre eles até que retornem à vida. Quando li essa história pela primeira vez, algo se mexeu dentro de mim. Parecia que eu também era um desses ossos, aguardando ser recolhido por alguém que finalmente visse valor ali. E talvez seja essa a grande metáfora do capítulo: encontrar em nós o que foi desossado, perdido, rejeitado, reprimido… e cantar sobre isso até que volte a pulsar.

La Loba aparece como um chamado interno — o chamado do instinto, da alma exilada, da sabedoria esquecida. Um arquétipo que sussurra verdades cruas: para recuperar a vida plena, precisamos nos ajoelhar diante do que fomos obrigadas a abandonar em nós. E aqui, minha história se entrelaça com essa narrativa. Porque eu mesma fui uma pilha de ossos soterrada em silêncio, medo e abandono. Cresci sob o peso de críticas, julgamentos e repressões, assim como a grande maioria de nós. Minha mãe, exausta de criar seis filhos, não teve energia para me acolher, e eu cresci acreditando que não havia espaço para mim, pois já era a sexta. Aprendi desde cedo a não incomodar, a não querer demais, a não existir por inteiro.

Na adolescência e juventude, a desconexão persistiu. Eu fazia amigos com facilidade, mas não sabia mantê-los. Assim que o contato diário desaparecia, o vínculo também se desfazia. Ainda não compreendo completamente essa dinâmica. Só sei que ela me deixava com um buraco profundo, uma saudade doída, e uma sensação de que sempre havia algo errado comigo. Eu me afastava de quem eu amava, e não sabia voltar. Quando comecei o relacionamento com meu marido, repeti o mesmo padrão: ele era forte, decidido, cheio de vontade; e eu, fraca, silenciosa, com medo de me expressar. Tentei falar, tentei colocar meus sentimentos, mas como nunca aprendi a fazer isso com leveza, tudo virava tensão e conflito. Até que desisti, me calei, me anulei. E assim fui desaparecendo de mim.

A história de La Loba toca nesse ponto crucial: a mulher que esquece de si. A mulher que se afasta de sua voz e perde o rastro da própria alma. Fiquei anos congelada, num casamento onde o amor existia, mas a comunicação estava morta. Onde meu medo de perder me fazia abandonar a mim mesma. E essa dor de não ser ouvida, de não ser vista, afetou também na criação dos meus filhos. Eu os amava profundamente, mas estava emocionalmente ausente, apagada pela dor de não saber quem eu era.

E como se isso tudo não bastasse, havia também a dor da minha história profissional. Meu primeiro chefe me expunha, me diminuía. Já com a autoestima em frangalhos, aquilo apenas confirmou a crença que me perseguia: “você não é boa o suficiente”. Desde então, todas as experiências seguintes carregaram esse rastro, me sentindo insegura e como um peixe fora d’água. Eu sempre começava cheia de disposição e entusiasmo, mas logo a insegurança me paralisava. Até que desisti e congelei.

E aqui volto à força da imagem de La Loba. Porque, no fundo, eu sempre soube que havia algo em mim que ainda não tinha morrido. Um osso enterrado em algum canto esquecido. Foi preciso muito estudo, ajuda profissional, apoio e muito acolhimento para que eu começasse a sair desse congelamento da alma. E é por isso que esse capítulo me atravessa tanto: porque é sobre renascimento, sobre lembrar quem sou e recolher meus próprios ossos, um a um, com cuidado, e cantar sobre eles com amor.

La Loba também me lembrou do livro A Guerra da Arte, de Steven Pressfield. Ele fala sobre “resistência” — essa força invisível que nos impede de fazer o que nascemos para fazer. A resistência, diz ele, sabe que se você realizar seu propósito, o mundo vai mudar. Por isso ela te paralisa. Ela sussurra que você não é boa o suficiente, que não vai dar certo, que é melhor deixar para depois ou nem tentar. Eu ouvi esses sussurros e posso dizer que a resistência me dominou por anos. Mas agora, finalmente, eu a reconheço. E ao reconhecer, começo a desobedecê-la.

Eu estudei tanto! Absorvi tanto conhecimento transformador, que pode ajudar outras pessoas a saírem das próprias prisões. E ainda assim, por muito tempo, fui incapaz de me mover. Sabe o que é mais triste? Eu fui capaz de ajudar muitas pessoas com palavras, com escuta, com presença — mas incapaz ajudar a mim mesma. Agora, estou recolhendo meus próprios ossos. Agora, estou me preparando para cantar. Não mais para sobreviver, mas para renascer.

E por isso é tão essencial buscar ajuda. Cuidar de si é responsabilidade, principalmente quando se é mãe. Porque, como enfatiza a dra. Juliana Franco, “a dor que não é acolhida e transformada se transforma em violência silenciosa que escorre para as gerações seguintes.” E o médico Andrei Moreira nos lembra que “quando não olhamos para as feridas da nossa infância, seguimos sangrando sobre quem não tem nada a ver com elas.” Nossos filhas e filhos, não precisam herdar nossas dores. Precisam da nossa coragem, que sejamos mães/lobas de nós mesmas primeiro, para então poder guiar nossos filhos com mais presença, leveza e verdade. Quando a mulher se cura, o mundo começa a se curar com ela.

Essa jornada é de todas nós. Fomos moldadas por uma cultura patriarcal que nos ensinou a temer nossa força, a duvidar da nossa intuição, a competir entre irmãs, a olhar para o espelho com desprezo. Nos afastamos da nossa natureza cíclica, criativa, potente. Mas ainda é tempo de voltar. Precisamos recuperar a alma de mulher que nos habita. Precisamos devolver ao mundo o coração pulsante da humanidade. Porque a falta de valor próprio não destrói apenas sonhos individuais — ela enfraquece famílias, comunidades, gerações. Quando uma mulher se desconecta da própria alma, o mundo inteiro empobrece.
E você? Já começou a desenterrar seus ossos? Me conta nos comentários o que esse capítulo despertou em você. Vamos caminhar juntas nesse deserto e reacender nossos cantos esquecidos.

Andréa Moreira

Sou bióloga e ecóloga, apaixonada pela conexão entre o ser humano e a natureza. Como redatora autodidata, integro terapias energéticas, neurociências e física quântica para promover consciência do potencial humano. Acredito que, ao reconhecer seu valor, o ser humano vive em harmonia consigo, transforma suas relações e cuida da sua relação com o planeta, promovendo um futuro mais equilibrado e sustentável.

Deixe um comentário